domingo, 30 de abril de 2017

O DESENVOLVIMENTO DAS EMOÇÕES NA PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL DE VIGOTSKI

O DESENVOLVIMENTO DAS EMOÇÕES NA PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL DE VIGOTSKI
Eudes Alencar, UNI-RN
E-mail: eudespsicologo@gmail.com
Rosângela Francischini, UFRN
E-mail: rofrancischini@gmail.com

Palavras-chave: Psicologia Histórico-Cultural, desenvolvimento, emoções,  


A psicologia histórico-cultural representada, sobretudo, por Vigotski, trouxe contribuições significativas em diversos campos do conhecimento, dentre eles: o estudo do desenvolvimento humano, do pensamento e da linguagem, da educação e das emoções. Porém, destacamos que mais recentemente viu-se crescer o interesse de pesquisadores para com o estudo das emoções no interior dessa vertente teórico-metodológica. Para Machado, Facci e Barroco, (2011), mesmo sendo, esta temática, pouco explorada pelos pesquisadores, o estudo das emoções perpassa todos os trabalhos escritos pelo autor. Sublinhamos que a principal publicação de Vigotski a respeito dessa temática foi sua obra Teoria das Emoções: estudo histórico-psicológico, escrita entre 1931 a 1933 e deixada inacabada pelo autor, possivelmente, devido a sua condição debilitada de saúde. Mesmo diante de sua frágil saúde, essa obra deixou contribuições significativas no estudo das emoções, ocupando um lugar central na vasta literatura do autor. Portanto, a referida obra constitui-se como referência principal das reflexões aqui apresentadas. Observamos, no entanto, e o que segue reflete essa observação, que esse estudo é necessariamente suportado pela abordagem, em sua totalidade, principalmente no que se refere ao desenvolvimento histórico-cultural do sujeito. Assim, nossa leitura e sistematização dos escritos de Vigotski que resultaram nesta proposta, enfatiza o estudo das emoções sem desintegra-la do desenvolvimento, em sua totalidade. Isto posto, este trabalho possibilita discutirmos o estudo do desenvolvimento histórico das emoções tomando como referencial teórico a psicologia histórico-cultural de Vigotski. Os estudos de Vigotski sobre as emoções são fundamentados, em um primeiro momento, principalmente por suas críticas às correntes psicológicas naturalizantes e fisiológicas das emoções, em especial, as concepções teóricas de James-Lange (Vigotski, 1933/2004). Em suma, esta teoria afirma que as emoções não podem existir sem alterações orgânicas e ocorrem somente quando o indivíduo interpreta suas respostas fisiológicas ou sensações, decorrentes dos estímulos sensoriais (Ortiz, 2010). Esse modelo sintetiza-se nos seguintes exemplos: ficamos tristes porque choramos e ficamos com medo porque trememos, ou seja, considera as reações fisiológicas como a fonte das emoções (Vigotski, 1933/2004). Vigotski (1930/2013), assim descreve o desenvolvimento histórico das emoções:  por meio de um processo dialético, a constituição intersubjetiva do sujeito histórico configura as emoções, tirando-as de uma concepção naturalista que as compreende como processos fisiológicos da ordem das funções psicológicas inferiores, elevando-as para um plano superior da vida psicológica. Assim, as emoções são funções psicológicas superiores, culturalizadas, passíveis de desenvolvimento e transformações. (Machado et al., 2011).
Desse modo, de acordo com Vigotski (1930/2013), as emoções concebidas como processos psicológicos superiores surgem somente na condição histórica, sendo o resultado das relações intersubjetivas e, neste fato, reside o processo de desenvolvimento das emoções. Como visto, Vigotski liberta-se das concepções que reduzem as emoções a triviais funções fisiológicas, situando-as como um campo interdependente da vida psicológica dos sujeitos. O autor compreende as emoções como formadas a partir de condições histórico-culturais, desempenhando uma atividade mediadora, ao cumprir uma função de intermédio entre o sujeito e o seu contexto histórico-social (Machado, et al. (2011).A partir daqui, estabeleceremos algumas reflexões sobre a relação entre a emoção e os processos de desenvolvimento, ou seja, a emoção como um processo psicológico superior, que se aprende e se desenvolve a partir dos contextos onde o sujeito está inserido. Antes de introduzirmos essa discussão, caberia então, nos dedicarmos à definição do conceito de desenvolvimento. De acordo com Bozhovich (2009), o processo de desenvolvimento não é, de forma alguma, linear, segmentado, explicativo e causal, mas, sim, o resultado da internalização entre os fatores externos e internos, ou seja, se organizam a partir de processos da integralidade e singularidade do sujeito. Nessa direção, Campos e Francischini (2003) afirmam que “o processo de desenvolvimento consiste na internalização de regras, valores, modos de pensar e de agir ocorrentes nas interações sociais do cotidiano dos sujeitos, nas práticas sociais e discursivas que permeiam as instituições sociais (família, escola, igreja, trabalho...) e os meios de comunicação. Nessas interações, recorre-se aos instrumentos de mediação semiótica disponíveis na sociedade, entre os quais a linguagem ocupa posição privilegiada”. Nesse sentido, Brossard (2012) afirma que o desenvolvimento é a transformação integral que se produz no sujeito a partir de sua inserção no mundo da cultura e das relações sociais. Destarte, para este teórico, o desenvolvimento é por essência cultural, tendo como consequência a compreensão das possibilidades de autonomia do sujeito. 
Machado, et al. (2011) afirmam que em diversas culturas as emoções são expressas em signos, modificam-se e ganham continuidade na intersubjetividade, tendo a linguagem um papel central como organizadora das mesmas.  Em vista disso, os sentimentos são emoções que ganham significado por meio da linguagem, e, em diferentes contextos participam do processo de desenvolvimento sociocultural dos sujeitos (Costa & Pascual, 2012). Isto posto, para esses autores, no processo de desenvolvimento os sujeitos estabelecem intercâmbios sociais, comunicam-se e aprendem socialmente a significar suas emoções, constituindo sua condição, enquanto sujeitos, histórico-sócio-emocionais.  Assim, as palavras organizam e materializam as emoções, desvencilhando-as do mundo interno dos sujeitos e expressando-as em suas relações sociais. Destacamos as palavras de Machado, et al. (2011) quando afirmam que as concepções de linguagem e emoção estão imbricadas pelo colorido emocional que acompanha cada palavra. A linguagem torna-se essencial tendo um papel indispensável, tanto nas relações sociais como nas emoções historicamente aprendidas. 
Como mostra Brossard (2012), as emoções humanas têm um caráter eminentemente cultural e significante, quer dizer, vão sendo organizadas dinamicamente de acordo com o meio social no qual o sujeito está inserido. Nesse sentido, se constroem, se transformam, se significam, se ressignificam; são, assim, essenciais nos processos de desenvolvimento do sujeito. Cabe-nos destacar, desse modo, a necessidade de uma concepção de sujeito que leve em consideração o desenvolvimento social das emoções e sua importância na vida dos sujeitos. De acordo com Vigotski (2010), os determinantes do contexto exercem um papel importante no desenvolvimento psicológico e emocional da criança, ou seja, a maneira singular de como ela toma consciência, concebe e se relaciona com acontecimentos e situações específicas do meio. Portanto, buscar compreender as emoções no processo de desenvolvimento é, sobretudo, a busca em conceber a constituição histórica do sujeito mediada pelas relações estabelecidas em seu cotidiano. Dessa forma, o estudo das emoções ganha originalidade em Vigotski, como, também, no estudo do desenvolvimento humano, abrindo novos caminhos e possibilidades na busca da compreensão do ser humano.



Bozhovich, L. I. (2009). The Social Situation of Child Development. Journal of Russian and East European Psychology, 47 (4), 59-86.

Brossard, M. (2012). Le développement comme transformation par appropriation des
oeuvres de la culture. In: Y. Clot (org). Vygotski maintenant (pp. 95 - 116). Paris: La Dispute.

Campos, H. C. e Francischini, R. (2003). Trabalho infantil produtivo e desenvolvimento humano. Psicologia em Estudos, 8(1), 119-129. Maringá, Jan./Junho.

Costa, A. J. A, & Pascual, J. G. (2012). Análise sobre as emoções no livro Teoría de las Emociones (Vigotski). Psicologia & Sociedade, 24(3), 628-637.

Machado, L. V., Facci, M. G. D., e Barroco, S. M. S. (2011). Teoria das emoções em vigotski. Psicologia em Estudo, 16(4), 647-657.

Ortiz, A. D. (2010, abril). Teorias de las emociones. Innovación y experiencias educativas, 29, (4). Recuperado de http://www.csi-csif.es/andalucia/modules/mod_ense/revista/pdf/Numero_29/ALVARO_DIAZ_1.pdf.

Vygotski, L. S (2013). Sobre los sistema psicológicos. Obras Escogidas I: El significado histórico de la crisis de la psicologia (pp. 71 - 93) Madrid: Machado Grupo de Distribución. (Texto original publicado em 1930).

___________.  (2010). Quarta aula: a questão do meio na pedologia (M.P. Vinha, Trad.). Psicologia USP, 21(4), 681-701.

___________. (2004). Teoría de las emociones: estudio histórico-psicológico (J. Villaplana). Madrid: Ediciones AKAL. (Texto original publicado 1931 e 1933).




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