PSICOLOGIA
E EDUCAÇÃO: contribuições de Vygotsky e Wallon
Eudes
Alencar (UNI-RN)
Rosângela Francischini (UFRN)
Introdução
Este
capítulo é um recorte de uma pesquisa desenvolvida como requisito para
conclusão de curso de pós-graduação (mestrado), que teve por objetivo responder
a seguinte questão: “Como se caracteriza o processo de constituição do sujeito
na relação com a alteridade, à luz da perspectiva histórico-cultural de
Vigotski e na psicologia psicogenética de Henri Wallon, considerando as
convergências, divergências e (im) possibilidades de complementariedades
conceituais entre essas duas abordagens teóricas”? (ALENCAR, 2016, p. 12).
Assim caracterizado, alguns segmentos deste texto são semelhantes, mesmo
idênticos, àqueles presentes na dissertação; outros segmentos, modificados e,
outros ainda, acrescentados, considerando o objetivo aqui desenhado, de
enfatizar os aspectos que contribuem para a compreensão da constituição do sujeito
nos múltiplos contextos de seu desenvolvimento, o que se estende para os
contextos educacionais.
A
perspectiva histórico-cultural de Vigotski e a psicologia psicogenética de
Henri Wallon são concepções de base marxista; adotam, portanto, o materialismo
dialético como método. Vigotski e Wallon, a partir de suas perspectivas
teóricas, contribuíram significativamente no estudo do desenvolvimento humano,
com ênfase para o desenvolvimento do pensamento, da linguagem e das emoções, aspectos
esses, relevantes na área da Psicologia e da Educação. Nos contextos
educacionais, de modo geral, com a mediação dos signos (com destaque para o
signo linguístico), busca-se, dentre outros objetivos, o desenvolvimento do
pensamento, a formação da consciência. Nesse processo, o componente afetivo,
das emoções, não pode ser negligenciado. Observa-se um destaque desse aspecto
em Wallon. Em Vigotski, mais recentemente viu-se crescer também o interesse de
pesquisadores para com o estudo das vivências e emoções, principalmente após o
acesso, até então restrito, à denominada Quarta Aula, (VIGOTSKI, 2010).
Contextualizando os autores e suas abordagens
A
psicologia Histórico-Cultural emergiu na efervescência da crise revolucionária
russa e encontrou naquele contexto histórico-cultural, as condições para o
surgimento de um novo paradigma psicológico, em oposição aos pensamentos
científicos vigentes - deterministas, naturalizantes, idealistas e
mecanicistas, sobre o conhecimento psicológico, apresentando uma nova concepção
de sujeito.
Esta
perspectiva teórica, representada, sobretudo, por Vigotski (1896-1934) - seu
principal teórico -, Luria e Leontiev, se propôs, assim, conceber o ser humano,
em sua “natureza”, como histórico, social e culturalmente inserido. Assim, a
dimensão social, interpessoal e cultural ganha importância e fundamento na
construção do sujeito psicológico; “Vigotski se opôs a qualquer reducionismo
naturalista do ser humano” (Friedrich, 2012, p.62).
Para
Teixeira (2005) “O que caracteriza a psicologia de Vigotski e seguidores,
enfim, é o fato de estar fundamentada filosoficamente na concepção marxista de
mundo e, por essa razão, abordar a gênese e o desenvolvimento do psiquismo
desde um ponto de vista histórico e social” (p.24). Nessa perspectiva, citando
Blonski, Vigotski afirma: “O comportamento só pode ser compreendido como a
história do comportamento. Esta é a verdadeira concepção dialética em psicologia”.
(Vigotski, 1931/ 2012a, p.68).
Henri
Wallon (1879 – 1962) viveu em um contexto histórico de intensa instabilidade
social e mudanças políticas, motivo pelo qual alguns autores brasileiros
destacam que esse cenário de turbulência propiciou as condições fundamentais de
influência sobre suas ideias acerca do lugar central que o meio ocupa em sua concepção
teórica (Galvão, 2011).
Do mesmo
modo que Vigotski, Wallon construiu seu sistema teórico no início do século XX,
(muito embora, diferentemente de Vigotski, pôde desenvolve-lo até a década de
60), contexto em que as correntes psicológicas vigentes, como assinalado acima,
apresentavam uma visão reducionista acerca do psiquismo humano, em que enfatizavam
os processos lineares, biologizantes e mecanicista do desenvolvimento. Também
Wallon opôs-se a essas correntes. A esse respeito, René Zazzo declara, em uma
apresentação de Henri Wallon, num artigo incluído na primeira edição portuguesa
(1978) da obra A Evolução Psicológica da
Criança, (Wallon, 1941/2005): “Para apreciar a obra de Henri Wallon, o que
ela tem de original, de inovador, seria necessário situá-la na história da
Psicologia e compará-la com as obras dos seus contemporâneos, outros eminentes
psicólogos da infância (p.9)”. O teórico francês, no prefácio do livro Para Conhecer Wallon - uma Psicologia
Dialética, de Pedro da Silva Dantas, assim expressa: "Somos forçados a
ultrapassar nossa razão clássica e a romper com nossa inteligência linear para
compreender Wallon e, graças a ele, melhor compreender as crianças"
(Dantas,1983, p.3).
Desenvolvimento: do pensamento, da linguagem, das emoções
Pilares nas abordagens de Vigotski e Wallon, esses três
domínios do desenvolvimento do sujeito – pensamento, linguagem e emoções – serão
trazidos à reflexão, a seguir, ressaltando-se o específico de cada um desses
domínios sem, contudo, negligenciar a inter-relação entre eles, bastante cara
às duas abordagens aqui consideradas. As
relações com os contextos educacionais serão tecidas no percurso aqui proposto.
Iniciamos com uma afirmação de Vigotski (1931/2012c),
sobre o processo de desenvolvimento:
[...] a concepção
tradicional sobre o desenvolvimento das funções mentais superiores é, sobre
tudo, errônea e unilateral, porque é incapaz de considerar esses fatos como
fatos do desenvolvimento histórico, porque os acusa unilateralmente como
processos e formações naturais, confundindo o natural e o cultural , o natural
e o histórico, o biológico e o social no desenvolvimento mental das crianças;
brevemente mencionadas, tem uma compreensão radicalmente errônea da natureza
dos fenômenos estudados. (p.12).
De acordo
com Bozhovich (2009), o processo de desenvolvimento não é, de forma alguma,
linear, segmentado, explicativo e causal, mas, sim, o resultado da
internalização de fatores externos e sua transformação em aspectos internos, ou
seja, implica em uma organização de processos de integralidade e singularidade
do sujeito. Nessa direção, Campos e Francischini (2003) afirmam:
[...]o processo de
desenvolvimento consiste na internalização de regras, valores, modos de pensar
e de agir ocorrentes nas interações sociais do cotidiano dos sujeitos, nas
práticas sociais e discursivas que permeiam as instituições sociais (família,
escola, igreja, trabalho...) e os meios de comunicação. Nessas interações,
recorre-se aos instrumentos de mediação semiótica disponíveis na sociedade,
entre os quais a linguagem ocupa posição privilegiada (p.120).
Desse
modo, considerando as inter-relações e interdependências entre os aspectos
físicos, cognitivos, sociais e emocionais nele presentes, o desenvolvimento é a
transformação integral que se produz no sujeito a partir de sua inserção no
mundo da cultura e das relações sociais. Assim, o desenvolvimento, compreendido
como a emergência e consolidação das possibilidades de autonomia do sujeito, é,
por essência, cultural. A ênfase ou quase exclusividade no/do domínio
cognitivo, tão presente nos contextos educacionais, de modo geral, necessita,
portanto, de revisão.
Aqui, o
conceito de intersubjetividade, que vem sendo adotado por estudiosos da
psicologia Histórico-Cultural, auxilia-nos na compreensão desse processo
dinâmico, de inter-relações, na constituição do sujeito. Molon (2011) afirma
que “a constituição do sujeito acontece no campo da intersubjetividade,
configurado como o lugar do encontro e do confronto e como o palco de
negociações dos mundos de significação privado e público” (p.618). A
intersubjetividade configura-se, assim, como o estado de encontro onde o
sujeito é constituído a partir da relação que estabelece com o outro.
A esse
respeito, podemos identificar uma convergência de pensamento, na abordagem de
Wallon.
Iniciando
por uma citação do próprio autor, Wallon, H. (1941/2005), sobre a unidade do
ser, o autor nos afirma: “é contra a natureza tratar a criança
fragmentariamente. Em cada idade, ela constitui um conjunto indissociável e
original. Na sucessão das suas idades, ela é um único e mesmo ser em curso de
metamorfoses. Feita de contrastes e de conflitos, a sua unidade será por isso
ainda mais susceptível de desenvolvimentos e de novidade (p.215). Ainda, nesta
mesma obra, Wallon, sobre as inter-relações entre os domínios biológico e
social na constituição do sujeito, o autor afirma: “Na realidade, nunca pude
dissociar o biológico do social, não porque os julgues redutíveis um ao outro,
mas porque me parecem no homem tão estreitamente complementares desde o seu
nascimento, que é impossível encarar a vida psíquica sem ser sob a forma das
suas relações recíprocas” (p.14). São diversos os contextos em que, ao longo de
sua obra, Wallon trata da não dissociabilidade entre o sujeito e o meio e entre
os domínios do desenvolvimento humano. A citação abaixo é um exemplar desses
contextos, com a particularidade de que o autor trata da questão da linguagem,
do qual nos ocuparemos abaixo.
A atividade humana
é inconcebível sem o meio social; mas as sociedades humanas não poderiam
existir sem indivíduos que possuem aptidões como a da linguagem, que supõe uma
determinada conformação do cérebro, já que certos danos à sua integridade
privam o indivíduo da palavra, do mesmo modo que, por falta de um cérebro
semelhante ao do homem, não existe nenhuma outra espécie conhecida que tenha um
sistema de sinais adaptável indefinidamente a novos significados, como são as
línguas humanas. É, por conseguinte, impossível dizer se foi o homem que fez a
sociedade ou se foi a sociedade que fez o homem (WALLON, 1942/2008p.118).
Conforme
pode ser observado, o autor refere-se às especificidades da linguagem humana,
ressaltando as relações de reciprocidade da atividade dos sujeitos no meio
social. Isto é, as inter-relações significam o meio social; outrossim, a
sociedade organizada por um sistema de signos e de interações constitui os
seres humanos.
Os
espaços educacionais são, por excelência, campos de exercício da
intersubjetividade; nele, educadores, alunos e demais atores sociais são
desafiados a conviverem com o conhecimento produzido ao longo da história e com
as novas possibilidades que vão emergindo, sobretudo, na contemporaneidade, com
as novas tecnologias e as transformações delas decorrentes; a confrontarem-se
com modos de vida e de existências singulares, decorrentes das condições de
vida desses sujeitos; enfim, a exercitarem o diálogo e a tolerância,
considerando a diversidade, característica da sociedade, de modo geral, e que
se reflete nesses espaços.
A linguagem
Considerada
“processo psicológico superior” por excelência (Vigotski) e “um sistema de
sinais adaptável indefinidamente a novos significados” (Wallon) a linguagem
destaca-se como temática central e essencial, na Psicologia histórico-cultural
de Vigotski e na Psicogenética de Wallon.
Para
Vigotski (1931/2012c), o desenvolvimento da linguagem é a prova contundente da
fusão dos planos de desenvolvimento natural e cultural do ser humano. Nessa
mesma direção, Pino (1993) afirma que o estudo ontogenético da aquisição da
linguagem está amplamente vinculado à concepção de sujeito na psicologia
Histórico-Cultural.
A
linguagem é o principal sistema de representação simbólica de todos os grupos
humanos, sendo responsável pelo compartilhamento social entre os sujeitos das
produções culturais, resultantes da atividade humana. Para Faraco (2013) a
linguagem é uma atividade discursiva, uma ação responsiva, que reflete e
refrata a interpretação que os sujeitos têm das coisas. Portanto, os discursos
compartilhados socialmente estão sempre relacionados ao outro; revelam-se,
portanto, como interdiscursos. O
surgimento da linguagem na história da espécie humana aparece como fundamental
desde o início e esta função apresenta duas funções básicas importantes: “Devemos
mencionar, ainda, que a linguagem é a princípio um meio de comunicação com os
outros, e somente mais tarde, se torna uma forma de linguagem interna, se
convertendo em um meio do pensamento, sendo assim fica evidente a
aplicabilidade desta lei na história do desenvolvimento cultural da criança”.
(Vigotski, 1931/2012b, p.147).
Assim,
podemos observar, nesta afirmação de Vigotski, que a linguagem cumpre um papel
central nas relações sociais e apresenta duas funções básicas: a primeira, de
intercâmbio social, com a finalidade de estabelecer a comunicação entre os
sujeitos; a segunda, de pensamento generalizante, isto é, o compartilhamento e
organização do mundo real e social, entre os sujeitos, por meio de conceitos,
categorias linguísticas e significações dentro de um universo de diversificadas
realidades socioculturais.
Assim
como em Vigotski, em Wallon a linguagem apresenta uma dupla função: a primeira,
de intercâmbio social e, a segunda, como organizadora do mundo social,
significando e representando a realidade objetiva, isto é, como condição do
pensamento. Entretanto, diferentemente de Vigotski, em Wallon a linguagem
estabelece, principalmente no início da vida, uma relação íntima e
interdependente com as emoções, domínio a ser abordado mais adiante, neste
trabalho. Nesse sentido, Bastos (2003) argumenta: “Linguagem que, na
psicogenética Walloniana, tem suas primeiras formas de expressão intimamente
ligadas à emoção, que é considerada o ponto de partida do psiquismo e por meio
da qual o bebê entra em contato com o mundo humano e se torna capaz de
comunicar-se” (p.132).
Essas
duas funções da linguagem, concebidas tanto por Vigotski quanto por Wallon,
estão presentes nos contextos educacionais. Não nos é possível, aqui, trazer à
discussão as múltiplas possibilidades de se pensar esse sistema simbólico e sua
presença nas inter-relações que comparecem nesses contextos. São diversos os
olhares possíveis, com destaque para as discussões relacionadas aos processos
de aquisição da leitura e da escrita, para as quais o leitor encontra uma
extensa e rica bibliografia em nosso país, e para as questões, mais no campo da
Sociolinguística, relacionadas ao ‘confronto’ entre a linguagem do cotidiano e
a ‘linguagem culta’, predominante na escolarização formal.
As emoções
Iniciamos
as discussões sobre o estudo das emoções, em Wallon (1941/2005), considerando a
importância que esse domínio assume em sua abordagem, com uma afirmação do próprio
autor: “Os primeiros contactos entre o sujeito e o ambiente são de ordem
afectiva: são as emoções” (p.201).
Portanto, segundo o teórico, desde o início da vida os sujeitos realizam-se e
tornam-se seres relacionais por meio das emoções. No princípio de existência
estão tão intimamente unidos a elas que confundem-se com as situações do seu
contexto, isto é, (...) “com o ambiente humano de que provêm, na maior parte
das vezes, as situações emocionais” (p.201).
Nesse
contexto de discussão é importante refletirmos sobre o que postula a teoria
walloniana acerca das funções emoções, sentimentos e paixões (domínio
afetividade). Como explica Dér (2010): “a afetividade é um conceito amplo que,
além de envolver um componente orgânico, corporal, motor e plástico, que é a
emoção, apresenta também um componente cognitivo, representacional, que são os
sentimentos e a paixão” (p.61).
A
primeira função a diferenciar-se no conjunto afetividade são as emoções,
principalmente pela sua natureza primitivamente orgânica no início da vida;
subsequentemente, diferenciam-se os sentimentos e, em seguida, a paixão. Por
essa razão, para Wallon (1941/2005), no domínio afetividade os componentes
emoções, sentimentos e paixões estão na dependência da idade. Em decorrência, a
afetividade é um conceito mais abrangente em que as emoções, os sentimentos e
as paixões se inserem, configurando-se como manifestações da vida afetiva
(Galvão, 2011).
Para
Wallon (1941/2005), as emoções são a exteriorização da afetividade. “As
relações que elas tornam possíveis afinam os seus meios de expressão, e fazem
deles instrumentos da sociabilidade cada vez mais especializados” (p.143).
Nesse sentido, são os sentimentos que irão corresponder ao componente
representacional das emoções, podendo, dessa maneira, expressarem-se pelo
gesto, pela mímica e pela linguagem.
Wallon
(1934/1971) explicita que no início da vida as relações do ser humano com o
meio ainda estão circunscritas às premissas psicofisiológicas da sua vida
afetiva isto é, do seu comportamento emocional. Diante disso, o autor relaciona
três características diferentes sobre a origem das reações emocionais: de
sensibilidade interoceptiva, proprioceptiva e exteroceptiva.
Wallon,
(1934/1971), ao discutir a natureza das emoções, explicita que esta temática
tem motivado o surgimento de teorias diversas e, muitas vezes, contraditórias.
Todas derivando de um princípio comum, e ao mesmo tempo, causa dessas
contradições, isto é, ligam a emoção à atividade de relação motora com o meio,
ou aos centros nervosos correspondentes. O teórico reconhece nas emoções o
caráter de reações organizadas e de possuírem, no sistema nervoso, centros
reguladores que coordenam as suas manifestações. Porém, para o autor, o ponto
de partida das reações ainda primitivas das emoções está no domínio postural,
melhor dizendo, na atividade tônica do organismo, nas suas atitudes visíveis ou,
na origem da base de suas funções viscerais. Em suas próprias palavras: “O
grito é a primeira manifestação de vida do recém-nascido. Sinal de aflição,
segundo Lucrécio, diante da miséria da existência humana” (p.34). Ou seja, a
sua primeira forma de linguagem expressiva: “para ela, o grito constitui o
prelúdio à palavra” (p.35). Desde o início da existência o poder contagiante e
mobilizador das emoções se manifesta. Por isso, para o teórico “o contágio das
emoções é um facto comprovado frequentemente” (Wallon,1941/2005, p.141).
Seguindo
a mesma linha de discussão, a psicogenética Walloniana propõe explicar as
emoções numa perspectiva integral. Ou seja, as expressões das emoções e os seus
fins sociais, logo, o caráter contagioso e coletivo que as mesmas podem exercer
sobre os outros, ou por meio deles. Dessa maneira, Wallon (1975) ao refletir
sobre a relação da criança com o ambiente social nos primeiros meses de vida,
enfatiza a importância comunicativa e contagiante das emoções: “Os seus gestos
e gritos tenderão a exprimi-las e a criar as reacções correspondentes no seu
meio. Deste modo dá-se uma fusão dela com os próximos por meio duma espécie de
consonância afectiva, que faz lembrar o caráter comunicativo das emoções”
(p.155).
O autor
afirma que a riqueza das expressividades emocionais das crianças nos meses
posteriores de vida dependerá das diversidades e oportunidades de relações
proporcionadas pelo contexto e, nesse sentido, a pessoa responsável pelos
cuidados da criança, em boa parte das vezes, a mãe, desempenha um papel
preponderante como mediadora, dada as condições de necessidade, nas quais se
encontra a criança ainda pequena. Logo, na teoria walloniana o poder de
contágio das emoções materializa-se nas relações sociais.
A
respeito disso Wallon (1934/1971) tece o seguinte comentário: “A emoção
necessita suscitar reações similares ou recíprocas em outrem e, inversamente,
possui sobre o outro um grande poder de contágio” (p.91). Nessa direção, Dantas
(1983) esclarece que emoção estabelece uma comunhão imediata dos sujeitos entre
si e das suas relações com o meio, constituindo-se como o fundamento da
intersubjetividade.
Desse
modo, gradativamente, a partir de sua condição emocional primitivamente
orgânica, a criança percorre um processo de desenvolvimento, concebido, como
afirmado em outro contexto deste trabalho, como dialético, na construção de si
enquanto sujeito social, onde as emoções transformam-se, ganhando um caráter
eminentemente social. Em outros termos, as emoções desempenham um papel
fundamental na consciência de si a partir do outro. Com isso, a família, a
comunidade escolar e o entorno comunitário, como principais contextos sociais
de inserção da criança, contribuem significativamente na sua construção
enquanto um ser culturalmente e historicamente constituído. Para Gulassa
(2010), a criança “comunica-se com seu grupo familiar por meio de reações
emocionais. Estabelece uma comunhão afetiva, o que precede as relações das
ideias (p.105). Desse modo, as emoções cumprem o papel de mediadora nas
interações sociais, e, dessa forma, a criança constitui-se como ser de relação
com o seu meio e com os grupos aos quais pertença.
Sendo
assim, o estudo das emoções na teoria Walloniana ganha uma originalidade ímpar,
visto que elege o papel primordial da afetividade na constituição e na evolução
do sujeito. Portanto, a psicogênese da pessoa completa evidencia o caráter
primordial das emoções em seus pressupostos teóricos, epistemológicos e
ontológicos. Para Wallon é por meio das emoções que a condição biológica do ser
humano se converte em social. Isto posto, como afirmamos anteriormente, as
emoções têm uma base orgânica, contudo, para o autor, apresenta um caráter
social que permite a criança maximizar e especializar suas relações humanas e
sociais. Desse modo, de acordo com Almeida (2012), a emoção constitui-se como
um fenômeno dinâmico que ultrapassa sua condição primária de estado orgânico,
cumprindo uma função mediadora na socialização dos sujeitos.
Em relação ao estudo das emoções, em Vigotski, duas
observações introdutórias são necessárias: a primeira diz respeito ao fato de
serem recentes, no Brasil, os estudos das emoções na perspectiva histórico-cultural;
a segunda nos alerta para a necessidade de não dissociação entre o estudo das
emoções e o conceito de vivência.
Iniciando pelo conceito de vivência, para (Vigotski,
2010):
A vivência é uma
unidade na qual, por um lado, de modo indivisível, o meio, aquilo que se
vivencia está representado – a vivência sempre se liga àquilo que está
localizado fora da pessoa – e, por outro lado, está representado como eu
vivencio isso, ou seja, todas as particularidades da personalidade e todas as
particularidades do meio são apresentadas na vivência, tanto aquilo que é
retirado do meio, todos os elementos que possuem relação com dada
personalidade, como aquilo que é retirado da personalidade, todos os traços de
seu caráter, traços constitutivos que possuem relação com dado acontecimento.
Dessa forma, na vivência, nós sempre lidamos com a união indivisível das
particularidades da personalidade e das particularidades da situação
representada na vivência. (p.687).
Vigotski
(1933/2012d) explica que a vivência cumpre uma dinâmica biossocial, e, nesse
sentido, é algo que se situa entre o sujeito e o contexto, estabelecendo,
portanto, uma condição de intermédio entre ambos. Esta relação cumpre a função
de revelar o significado, para o sujeito, do momento vivido e de que modo os
aspectos do meio influenciam o seu desenvolvimento. Dito de outro modo, para Vigotski, a vivência
expressa, de maneira clara, duas dimensões: a dimensão da influência do meio no
sujeito, por um lado, e, por outro, o modo como o sujeito vive essa dinâmica ao
manifestar, naquele momento específico, a sua singularidade, construída ao
longo do seu desenvolvimento histórico-social. Assim, durante o processo de seu
desenvolvimento histórico, o sujeito realiza uma série de vivências, que são
reguladas pelas diferentes relações intersubjetivas, que se sucedem nos diversos
momentos e espaços dos contextos desse desenvolvimento. O esboço do conceito de
vivência, acima, é condição necessária para entendermos o estudo das emoções em
Vigotski, a seguir.
Como
dizem os autores (Machado, Facci, & Barroco, 2011), mesmo existindo poucas
evidências sobre o estudo das emoções em Vigotski, esta temática perpassa todos
os trabalhos escritos pelo autor, inclusive aqueles que não são de cunho
psicológico (no entendimento dos autores acima citados) como A tragédia de Hamlet, príncipe da Dinamarca (1916)
e Psicologia da Arte (1925), nos
quais o autor analisa o fenômeno da reação estética, ou seja, o que acontece
quando o ser humano se emociona diante de uma obra de arte. Nessa mesma
direção, Toassa (2011) afirma que no livro Psicologia
da Arte, Vigotski realiza um prenúncio de suas críticas realizadas na obra
Teoria das Emoções, às correntes psicológicas que compreendiam as emoções como
fenômenos perceptuais e fisiológicos originárias de mecanismos
estímulo-resposta.
A
principal publicação de Vigotski sobre esse trabalho foi sua obra Teoria das Emoções: estudo
histórico-psicológico, escrita entre
1931 a 1933 e deixada inacabada pelo autor, possivelmente, devido a sua
condição debilitada de saúde.
Para
Vigotski, o ponto de vista das teorias psicológicas organicistas sobre as
emoções e seu desenvolvimento no sujeito não era suficiente para a explicação
dos complexos fatores nela implicados.
Segundo
a perspectiva histórico cultural por ele delineada, o desenvolvimento histórico
das emoções consiste fundamentalmente, na ação, em que se alteram as conexões
inicias em que foram produzidas e, consequentemente, surge uma nova ordem e novas
conexões. Complementando esta ideia, Vigotski concebe a importância das emoções,
elevando-as para um plano superior da vida psicológica, tirando-as, portanto,
de um lugar de processos fisiológicos da ordem das funções psicológicas
inferiores, como são concebidas em uma concepção naturalista de seu desenvolvimento. Como explica, Machado et al. (2011):
“Para Vigotski, as emoções são funções psicológicas superiores, portanto,
culturalizadas e passíveis de desenvolvimento, transformação ou novas aparições. Além disso, a concepção
vigotskiana de emoção coloca esse processo psicológico em estreita relação com
outros do psiquismo humano” (p.651). Ainda em Machado et al., temos a afirmação
de que o autor bielorrusso compreende “as emoções como formadas a partir de
condições histórico-culturais, portanto, aprendidas em determinado contexto”
(p.651), desempenhando uma atividade mediadora, ao cumprir uma função de intermédio
entre o sujeito e o seu contexto histórico-social.
Para
Vigotski (1930/2013), as emoções concebidas como processos psicológicos
superiores surgem somente na condição histórica, sendo o resultado das relações
intersubjetivas entre os sujeitos. Neste fato reside o processo de
desenvolvimento das emoções.
Machado,
et al. (2011) afirmam que em diversas culturas as emoções são expressas em
signo (palavra, gesto) modificando-se e ganhando continuidade na
intersubjetividade, tendo a linguagem um papel central como organizadora das
mesmas. Em vista disso, os sentimentos
(dimensão psicológica das emoções) são emoções que ganham significado por meio
da linguagem, e, em diferentes contextos participam do processo de desenvolvimento
sociocultural dos sujeitos (Costa & Pascual, 2012).
Isto
posto, para esses autores, no processo de desenvolvimento os sujeitos
estabelecem intercâmbios sociais, portanto, comunicam-se e aprendem socialmente
a significar suas emoções (sentimentos), constituindo sua condição, enquanto
sujeitos, histórico-sócio-emocionais.
Sendo assim, as palavras organizam e materializam as emoções,
desvencilhando-as do mundo interno dos sujeitos e expressando-as em sua
realidade externa (conjunto de relações sociais). Nessa direção destacamos as
palavras de Machado, et al. (2011): "as concepções de linguagem e emoção
estão imbricadas pelo colorido emocional que acompanha cada palavra, situado no
tempo e na história” (p.652).
Como
mostra Brossard (2012), as emoções humanas têm um caráter eminentemente
cultural e significante, ou seja, vão sendo organizadas dinamicamente de acordo
com o meio social no qual o sujeito está inserido e são essências para o seu
desenvolvimento. Nesse sentido, se constroem, se transformam, se significam, se
ressignificam.
Cabe-nos
destacar, desse modo, a necessidade de uma concepção de sujeito que leve em
consideração o desenvolvimento social das emoções, e que a vida emocional ganhe
um lugar central em seu processo de constituição. Para este mesmo autor, as
expressões emocionais (risos, choros) são materializações da experiência
emocional do sujeito, isto é, a dimensão afetiva de como ele viveu e experimentou
dada situação ou evento. Desta maneira, o desenvolvimento é compreendido
essencialmente como uma transformação de relações interfuncionais e de mudanças
nessas relações e, portanto mudanças de posição do sujeito (relação dialética).
Desse modo, as emoções diferenciam-se e transformam-se no decorrer do
desenvolvimento em alterações ou mudanças de posição dos sujeitos no centro do
sistema das funções vividas nos diferentes contextos.
Considerações Finais
Do exercício aqui proposto, podemos observar que esses
autores, ao investigarem os processos de constituição/desenvolvimento do
sujeito, trouxeram reflexões ímpares e complementares que contribuem, sem
sombra de dúvidas, para se pensar os contextos educacionais, suas
especificidades, seu tempo e espaço de inserção na sociedade e, principalmente,
as inter-relações presentes nesses contextos, com ênfase naquelas estabelecidas
pelo sujeito aprendiz, objetivo último das aprendizagens.
Em
relação à perspectiva epistemológica, as duas vertentes teóricas alicerçam-se
no pensamento Marxista; o método dialético, guardadas as especificidades de
cada um desses teóricos, desempenhou uma influência substancial no
desenvolvimento e desdobramentos de suas teorias. Mesmo assim, as duas
perspectivas convergem num ponto fundamental: a relevância do meio social no
desenvolvimento, constituição e construção dos sujeitos.
Ainda
sobre o ponto de vista epistemológico, os dois teóricos criaram, a partir de um
inovador enfoque metodológico, uma nova psicologia geral. Desse modo, estes
autores se opuseram aos paradigmas psicológicos naturalizantes e biologizantes
acerca do fenômeno psicológico e, consequentemente, contrários à compreensão
reducionista acerca da ontologia do sujeito. Assim, ambos concebem o processo
de constituição do sujeito em sua relação intima com o outro, tornando sua
constituição substancialmente social. Desse modo, ambos os autores convergem na
compreensão de que a constituição e desenvolvimento histórico dos sujeitos
acontece no campo da intersubjetividade.
Assim,
Psicologia e Educação mostram-se como campos de observação, de questões para
investigação, de construção de conhecimento e de instrumentos de aprimoramento
de nossas práticas no cotidiano dos contextos educativos. Esta constatação
oferece elementos para pesquisas interdisciplinares entre o conhecimento
psicológico e educacional fundamentadas na perspectiva histórico-cultural de
Vigotski e na psicologia psicogenética de Henri Wallon.
Esperamos, com as reflexões aqui sugeridas, contribuir
para a construção de conhecimento, reconhecendo que essa construção só ganha
importância e valor quando pode ser socializada e fazer emergir inquietações
suficientes para moverem possíveis estudos e teorizações sobre essas duas
abordagens cujo legado, sem dúvidas, enriquece nosso pensamento a respeito dos
processos educacionais.
Referências
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