Ética é a busca de clemência... no nada no ar, na
dor, na lama, na fama, na grama, na miséria, no desespero...
Ética é o estampido de dor, do gemido, do grito...
é a busca da conduta numa vida prostituta...
ação num mundo desesperado, grafado em
misericórdia...
é acreditar que a busca da saúde não é mera
humilhação...
é atirar migalhas aos esfomeados, enlameados,
baqueados...
é o estreitamento da vida na consciência da finitude;
num corte da sorte afastando-se da morte...
num momento, uma trégua,
uma luz, um estranhamento da razão... na emoção, da pulsação e da ilusão...
Ética é a busca das cores na imensidão das trevas...
clemência, complacência... é gritar e não ser escutado... é pedir e ser apenas
observado...
é ser aclamado por si mesmo... sem estética nem
ética;
num momento em que a medicina comemora a clonagem
completa
de uma ovelha... clone um novo significado para a
humanidade...
em tese no futuro poderemos ter clones humanos...
clones, bebês de proveta, manipulação genética...
e a ética passeia entre os tópicos de algumas legislações...
passeia como a própria utopia da dignidade humana,
frente aos experimentos científicos...
passeia por entre flores,
alamedas, mas sem alcançar a escora que imponha limites ao desrespeito da
condição humana. É gritar e não ser escutado...
Ética é implorar amor,
compaixão e ouvir argumentos teóricos, científicos, razão em lugar de
emoção... um feto no lixo... a vida na contramão...
para quê o aborto se depois a sociedade mata
naturalmente?! para quê atendimento hospitalar se o princípio da vida é a
própria morte?!
para quê discutir a eutanásia se existem métodos mais
eficazes?!
como a superlotação carcerária... os grupos de
extermínio
das periferias das grandes cidades... ou o total
desprezo governamental pela miséria acintosa da
nossa população... ou pelo teor de toxicidade
presente
nos alimentos... pela putrefação ambiental provocada
pela tecnologia desenvolvimentista...
para quê discutir normas e condutas profissionais
se a fome corrói e ceifa milhares de vítimas até
mesmo nos portões hospitalares?!
para quê a descoberta de tantas e tantas terapêuticas
salvadoras se conseguimos apenas ser vice-campeões
mundiais na incidência de hanseníase?! E se em outras áreas como a malária e a doença de Chagas somos
imbatíveis?!
Também no futebol somos vitoriosos...
como somos ainda o país do carnaval, do samba e da
mulata que requebra com as nossas emoções... nosso pudor... nossa ética...
ética que discute atitudes mas que se mantém impassível diante de crianças
enlameadas no crack, na cola, na coca...
e buscam esperança nos restos dos nossos lixos... nas
nossas escarradeiras assépticas... livre de todos os germes... e vermes e
germes... discutimos a ética e aliviamos nossas culpas e omissões sociais
atirando moedas aos miseráveis... que limpam os vidros de nossos automóveis
diante do vermelho dos semáforos... do vermelho da dor, do sangue, da
vergonha... atiramos as moedas mas não temos coragem de enfrentá-los no
olhar... na estampa do ranho que escorre do nariz e emoldura os lábios...
Para quê discutir o destino dos lixos hospitalares?!
se não resolvemos sequer a questão dos lixos humanos?! os dejetos
hospitalares podem ser incinerados ou enterrados... o extermínio humano, ao
contrário, insiste
em se mostrar nos semáforos, nas avenidas, debaixo de
pontes, viadutos, na ética humana... ética que exclui a excludência social...
sem veemência nem clemência... e nem decência;
oramos ao pai nosso e implicitamente chamamos a
todos de irmãos... pedimos paz, justiça e até
misericórdia...
mas escarramos nossa omissão sobre a dor, a miséria,
a lama, o nada, a indiferença...
E gritar e não ser escutado...
Falamos em ética... insistimos, resistimos e desistimos...
Valdemar
Augusto Angerami — Camon
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